A casa do nascer ao pôr do sol

Juliete chegou na Casa das Meninas aos seis meses de vida. Na primeira infância recebeu os cuidados da Irmã Valdete, referência materna e da qual têm profunda admiração. Se tornou filha do coração, onde os laços estabelecidos sobressaem os sanguíneos. Deixou a Casa aos 18 anos para estudar, mas nunca rompeu os vínculos. Hoje, aos 30, é coordenadora do serviço de acolhimento, do setor administrativo e responde pelo departamento jurídico. Formada em Direito pela Centro Universitário do Planalto de Araxá (Uniaraxá), Juliete está finalizando o curso de Administração pelo Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM) e se identifica como uma cópia delas. “Não é só uma relação de trabalho, eu cresci aqui, é o meu meio, minha casa.”

Muitos dizem que a dor traz lições preciosas e são para elas que Juliete direciona o olhar. “Não julgo minha mãe, pelo contrário, tenho que agradecer por ter me dado a vida, por não ter sofrido nenhum abuso. Vemos histórias piores, em momento algum posso me vitimizar. Fui bem cuidada, frequentei a escola e aprendi a andar com minhas próprias pernas,” e acrescenta as oportunidades do convívio. “Irmã Valdete tem grande influência na minha vida, soube me conduzir nos períodos difíceis da adolescência, me estimulou para os desafios e ensinou uma grande lição: se você se considera uma fracassada, você será. A escolha do que fazer com aquilo que fizeram a você é sua.”

Mas antes dessa história, muitos são os recortes até a construção da Casa das Meninas. Contam que no passado, Edith Gomes era uma mulher da alta sociedade muito preocupada com os menos favorecidos, principalmente crianças abandonadas e idosos carentes. Convidou um grupo de mulheres para unir forças e abrir um espaço para acolher esse público.

Quando, em 12 de outubro de 1965, Dia das Crianças e de sua padroeira, foi inaugurada a Casa das Meninas Nossa Senhora Aparecida, construída com o apoio da comunidade em terreno de quase 3 mil metros quadrados, doado pelo ex-prefeito, Genésio Garcia Roza. A Casa passou a receber órfãs e meninas que saiam da zona rural para estudar na cidade e não tinham condições de estadia. Vendo que o movimento crescia, a direção convidou um grupo de freiras religiosas para auxiliar. Passado um tempo, uma nova congregação assumiu, das Irmãs Discipulas de Jesus Cristo, que permanece há 54 anos e da qual a Irmã Valdete da Silva Vaz faz parte. “Nosso compromisso é com a educação e formação de meninas, mas sentimos a necessidade de acolher idosas. Abrimos um lar para senhoras acima dos 60 anos, que leva o nome da fundadora, Edith Gomes. Com isso, brincamos que é uma casa que acolhe do nascer ao pôr do sol – do início ao findar da vida,” conta.

Atualmente 23 senhoras compartilham as experiências do dia a dia e chegam através da família ou por seleção de uma lista de cadastro. O preenchimento das vagas é feito pela equipe social mediante visita e avaliação das necessidades, mas também há um exemplo particular, de Dona Elisa que há uma década escolheu a Casa como seu novo lar. A entidade também oferece atendimento em creche, vinculada ao município contemplando, em período integral, crianças de seis meses a quatro anos. Uma quarta obra, como identificam os trabalhos, é o contraturno, oferecido para meninas de cinco à 14 anos paralelo ao ensino escolar. O projeto conta com aproximadamente 220 meninas e oportuniza aprendizagem através de oficinas educativas. Além de 20 crianças que são acolhidas no abrigo.

A frente da presidência há sete anos, Irmã Valdete revela de forma descontraída os ossos do ofício. “Perco várias noites de sono,” brinca. “É uma responsabilidade, mas sou muito grata, especialmente quando se compartilha tantas histórias de vida e que, de alguma forma, temos a oportunidade de ajudar.” E foi a empatia com o próximo que ela descobriu seu caminho. “Sou de família grande e humilde, a mais velha de sete irmãos. Tive grandes sonhos, o maior deles ajudar quem precisasse, na guerra, ser voluntária da Cruz Vermelha e ir para uma missão de trabalho voluntário na África,” conta. Aos 18 entrou no convento e desde então já se passaram 37 de vida religiosa.

HISTÓRIA E EXPERIÊNCIAS

A Casa das Meninas tem 67 anos e se mantém através de convênio com o município, doações e campanhas. A construção remete ao estilo arquitetônico da época da colonização, casa grande e com extensa varanda, onde sobra espaço para o amor. Atualmente são 5 freiras e mais de 52 profissionais de diferentes áreas. A rotina começa cedo e está muito alinhada com hábitos que as irmãs seguem diariamente. “Acordamos às 5h30 e vamos para capela rezar. Às 7h horário da troca de turno, já fizemos nossas orações. É um ritual onde acreditamos que elas [orações] nos sustentam, sustentam a casa e todos os profissionais,” revela.

Questionada sobre as vestes, Irmã Valdete explica que o convento é uma opção religiosa e consagração. “Nem todo religioso tem o mesmo segmento, existem ordens e congregações diferentes, a minha está vinculada ao trabalho social e a oração,” explica. “Em algumas congregações o uso das vestes – composta por véu e vestido – é opcional, nesta que faço parte é obrigatório. Não é apenas um símbolo, faz parte da opção que escolhi, um sinal de que, aonde chego, sou uma pessoa diferente,” e brinca, “não preciso me preocupar em comprar roupas”. É nítida sua entrega, o amor e acolhimento.

DIAS ATUAIS 

Sobre os dias atuais e a forma com a qual conduzimos a vida – no meio do caos, cotidianos estressantes, problemas individuais e a tensão de uma pandemia eminente, Irmã Valdete avalia que estamos perdendo o valor das coisas simples. “O ser humano está muito acelerado, nem é a falta de crença – considero a inexistência de ateus, porque até eles acreditam em algo e isso não diz respeito apenas a imagem de Deus – mas porque nos apegamos a tantas coisas que o essencial está ficando para trás. Falta tempo para nos dedicarmos a fé, ao amor e ao que realmente importa e traz sentido.”

Arquétipo da bondade e reflexo de sabedoria, sinaliza que essa rapidez também reflete nos relacionamentos. “Essa forma de viver está interferindo na vida matrimonial, a independência nos trouxe grandes benefícios, mas também reforçou a intolerância, a individualidade e a falta do diálogo. Isso gera um cansaço afetivo e mental.” A interferência indicada também comtemplaria a vida religiosa. “Ela também nos pede socorro. Temos que olhar para o eu, fazer um retorno pessoal a essência e valores, o envolvimento comunitário, a maior convivência em família, porque esse aceleramento vai acabar nos destruindo.”

DOAÇÃO DE SISTEMA

“Digo que vendemos o almoço para comprar a janta, mas nessa dificuldade toda, somos surpreendidos sempre,” revela Irmã Valdete. A Casa das Meninas foi uma das 142 entidades beneficiadas com a doação de um sistema de energia solar da Renovigi, através do Projeto Energia do Bem, criado em 2018 para a doação de sistemas fotovoltaicos a entidades sem fins lucrativos de todo o Brasil.

A instalação, de forma gratuita, foi feita pelo credenciado parceiro, DL Soluções Elétricas. O projeto conta com 16 painéis de 340W e 1 inversor de 5KW. Conforme explica Juliete, por enquanto, os créditos são injetados na rede para consumo futuro, quando o projeto será ampliado, uma vez que o sistema não atende toda demanda. “Faríamos a expansão, mas uma chuva cedeu parte do telhado e investimos nos reparos. Quando conseguirmos um novo orçamento, o sistema será ampliado.” Atualmente a conta de energia elétrica da Casa das Meninas é de R$ 4 mil e o sistema doado compensa aproximadamente a 14,28% da necessidade da instituição.

Gustavo Müller Martins, presidente do Conselho de Administração e CEO da Renovigi Energia Solar sinaliza como uma forma de contribuir com entidades que fazem a diferença no espaço onde estão inseridas. “Diante do crescimento que a empresa e o marcado têm gerado nos últimos anos, a Renovigi sempre se preocupou em oferecer a sociedade uma grande parcela de suas conquistas, esse é o objetivo do Energia do Bem – onde o valor economizado na conta de luz, possa ser revertido em outras ações.”

Sobre fontes alternativas de energia, Irmã Valdete considera fundamentais: “Estamos num pico de invasão ao meio ambiente e a energia solar é uma contribuição positiva para tentar amenizar esse prejuízo. Além de ser uma forma de utilizar a luz natural para economizar e aplicar a economia em outras necessidades. Agradecemos a preocupação social da Renovigi e a comunidade que votou para que conseguíssemos ganhar essa campanha.”

Izabel Aparecida Guzzon – Jornalista/MTE 5573/SC

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